A floresta do Ajusco, um dos pulmões e fontes de água da Cidade do México. Foto: Emilio Godoy/IPS
Cidade do México, México, 8/5/2014 – As comunidades de São Miguel e São Tomás Ajusco, ao sul da Cidade do México, preservam três mil de seus 7.619 hectares de florestas em troca de pagamentos por serviços ambientais. Mas nelas se reproduz uma iniquidade que é muito pouco ecológica. São 484 homens e 120 mulheres que possuem terras entre meio e oito hectares e se organizam no Comissariado de Bens Comunitários. Por preservarem a floresta e cuidarem da água, recebem dos governos federal e da capital benefícios como árvores, sementes, estufas e outros insumos.
Tarefas sobram: desde vigiar a floresta para impedir o corte ou os incêndios, até realizar gestões junto às autoridades. E os recursos não são desprezíveis. Desde 2012, esse grupo comunitário (camponeses que trabalham terras comunitárias) participa do programa de pagamento por serviços ambientais financiado pela Comissão Nacional Florestal (Conafor) e pela construtora privada Engenheiros Civis Associados (ICA), que pagam US$ 123 ao ano por hectare para limpar a floresta, construir barreiras vivas e plantar árvores.
Não se trabalha em todas as áreas ao mesmo tempo, mas de forma rotativa, para que os benefícios se movimentem em uma superfície de 220 hectares. Além disso, entre 2012 e 2013, a Conafor lhes concedeu US$ 300 mil para restauração de microbacias. Porém, as mulheres só participam de atividades de reflorestamento e coleta de lixo. “Até julho, vamos reflorestar, quando chegar a época da chuva. O problema é que os trabalhos para as mulheres são muito limitados”, apontou à IPS uma das 120 que fazem essas tarefas, Alma Reyes, de 42 anos e mãe de duas meninas e um menino.
Reyes venceu décadas de exclusão em 2010, quando se candidatou e foi eleita secretária do Comissariado, um dos três cargos mais importantes da organização. Entretanto, em agosto de 2013 encerrou sua gestão e ela duvida que essa experiência se repita com outra mulher. “Prevalece uma maioria machista, e as leis não são aplicadas. As mulheres não têm ingerência no que se faz, na divisão dos benefícios nem na tomada de decisões”, destacou.
Em 2013 foram aprovados pagamentos semelhantes para 52 mil hectares em todo o país. E para um período de cinco anos a Conafor avalizou serviços ambientais de aproximadamente US$ 77 milhões para 471 mil hectares. À primeira vista esses projetos rendem: a maioria das crianças vai à escola, come-se três vezes ao dia e as pessoas não abandonam as comunidades. Mas faltam indicadores para medir a melhoria das condições de vida tanto de homens quanto de mulheres. O caso das comunitárias do Ajusco ilustra como o papel das mulheres não é importante no contexto legal mexicano para responder à mudança climática.
A Lei Geral de Mudança Climática, vigente desde 2012, quase não tem referências à participação feminina. A única menção, no Artigo 71, afirma que os planos estaduais serão elaborados “procurando sempre a igualdade de gênero e a representação das populações mais vulneráveis”.
“Todas as leis são passíveis de serem reformadas. Estamos revisando, pois ao aplicar a lei encontra-se detalhes. Queremos dar prosseguimento aos planos de mitigação da mudança climática e no modo como são aplicados pelo Poder Executivo”, declarou à IPS a deputada e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais, Lourdes López. A deputada pelo Partido Verde Ecologista e coordenadora do capítulo mexicano da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), é uma das que promovem mais reformas.
A lei converteu em obrigatória a meta de reduzir em 30% as emissões nacionais de gases-estufa até 2020, sujeita à disponibilidade de recursos financeiros e transferência de tecnologia, diz o maior estudo sobre legislações climáticas, que analisa a situação de 66 países e foi publicado em fevereiro pela Globe, uma rede mundial de parlamentares preocupados com os problemas ambientais.
A deputada pelo esquerdista Partido da Revolução Democrática, Martha Lucía Micher, acredita que as leis e a tomada de decisões devem incluir mais e melhor as mulheres. “Como desenvolver políticas ignorando as mulheres? Como impulsionar projetos sustentáveis se elas não participam? Não estamos suficientemente representadas em instâncias de decisões relacionadas à mudança climática”, ressaltou Micher, presidente da Comissão de Igualdade de Gênero.
As duas comissões legislativas presididas por López e Micher, além de ativistas e acadêmicas, formaram um grupo de trabalho para propor mudanças às leis referentes à mudança climática, com o objetivo de incluírem perspectiva de gênero.
Com 118 milhões de habitantes, o México está muito exposto à variabilidade do clima e já sofre manifestações como tempestades devastadoras mais frequentes, secas intensas, elevação do nível do mar e perda de diversidade biológica. A pobreza afeta 51,3% da população, e uma parte importante das mulheres, sobretudo em zonas rurais, suporta o pior, pois recaem sobre seus ombros a busca por água e alimentos e a proteção das famílias em caso de desastres. A ausência de gênero nas normas climáticas contrasta com outras áreas.
O Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2018 estabelece a incorporação do gênero em todos os programas de governo, para alcançar a igualdade entre homens e mulheres. E o Programa Nacional para a Igualdade de Oportunidades e Não Discriminação Contra as Mulheres 2013-2018 ordena incorporar “o gênero na detecção e redução de riscos, na atenção a emergências e na reconstrução em desastres naturais e antropogênicos”, bem como “nas políticas ambientais e de sustentabilidade”.
Leticia Gutiérrez, assessora de políticas da não governamental Aliança México REDD+, disse à IPS que “ainda prevalecem enfoques que situam as mulheres como grupo vulnerável e se focam na promoção de projetos produtivos sem que se consiga incidir nas causas estruturais da desigualdade de gênero”. A Aliança patrocinou um estudo que analisa as principais leis e políticas do México, bem como o gasto público destinado à igualdade entre homens e mulheres em relação ao mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas).
O documento, preparado pelo Escritório Global de Gênero da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), concluiu que embora exista um contexto jurídico e programático que obriga a somar a perspectiva de gênero, “ainda se observa uma insuficiente transversalidade desses enfoques nas políticas florestais, agrárias, ambientais e climáticas”.
O México ficou em 21º lugar no Índice de Gênero e Meio Ambiente da UICN, que avaliou 72 países. A Islândia encabeçou essa medição, e o último lugar ficou com a República Democrática do Congo. Os êxitos e propostas “soam muito bonito”, opinou Alma Reyes. “Tomara que sejam colocados em prática, porque em todos os lados se pede igualdade de gênero”, acrescentou. Envolverde/IPS
(IPS)
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