A escassez de água é um problema que se agrava em todo o mundo, inclusive no Brasil. O cenário é extremamente preocupante, especialmente no contexto das mudanças climáticas globais. Segundo a ciência, secas extremas estarão cada vez mais frequentes ao longo deste século. Devemos nos preparar para isso e não tratar a seca de 2014 como um evento isolado. Existem alternativas para lidar com o problema da escassez, sendo algumas consensuais e simples e outras mais complexas, que exigem estudos de viabilidade.
Comecemos pelas alternativas consensuais e óbvias. Primeiro, é necessário tratar os esgotos das cidades brasileiras. É inadmissível que a sétima economia do mundo trate apenas 38,7% do seu esgoto. Devemos ter uma meta clara para ter esgoto zero nos rios brasileiros. É necessário também controlar a poluição dos aquíferos subterrâneos brasileiros. Segundo, é necessário recuperar e restaurar a cobertura florestal das nascentes dos rios brasileiros. Não podemos assistir de maneira passiva à morte de rios como o São Francisco. Terceiro, é necessário melhorar a eficiência do uso da água, reduzindo perdas na rede de distribuição e reduzindo o desperdício de água nas residências, na agricultura, na indústria e no setor de serviços.
Devemos analisar também opções ousadas. Vale observar o que está sendo feito na China. A China está prestes a concluir a primeira etapa da construção de três gigantescos canais que aproveitarão água dos principais rios do sul do país para o norte árido, onde fica a populosa capital Pequim. Esse projeto vai resultar no aproveitamento de 44,8 bilhões de metros cúbicos de água por ano, ao custo de 62 bilhões de dólares. A primeira grande obra de transporte de água na China foi o milenar Canal Central, construído 1409 anos atrás.
A vazão anual média do Rio Amazonas é de 132 mil metros cúbicos por segundo. A título de comparação, é 50 vezes maior do que a vazão do Rio São Francisco e 100 vezes superior ao projeto da China.
Proponho que seja instituída pela Presidência da República uma comissão de alto nível para analisar esse tema, coordenada por uma instituição de grande respeito como, por exemplo, a Academia Brasileira de Ciências. Esta comissão deveria ir à China e à Califórnia para analisar o que está sendo feito e realizar uma série de debates pelo Brasil. Esse amplo debate deve ter um forte caráter técnico e cientifico. Depois disso, feitos estes estudos e debates, caberia ao Governo Federal e o Congresso Nacional receber o relatório e avaliar a conveniência de transformá-lo em política de estado.
A análise da viabilidade do aproveitamento da água da Amazônia deve responder algumas questões essenciais. Quais são as soluções tecnológicas para evitar que ocorra a invasão de espécies amazônicas nas demais bacias hidrográficas brasileiras? Qual é o limite de captação de água da Amazônia para evitar problemas ambientais, incluindo o aumento da salinização da água no estuário? Como fazer com que os principais beneficiários sejam os segmentos mais pobres do país? Quais são as soluções de engenharia para transportar a água? Qual seria o melhor traçado? Qual seria um orçamento aproximado e honesto? Quais são as tecnologias mais eficientes para atenuar os impactos ambientais, reduzir os custos e aumentar os benefícios sociais?
O fornecimento de água da Amazônia para o Brasil não pode cometer erros do século passado e considerar que a água é uma dádiva da natureza a custo zero. Não há mais espaço para pensar na Amazônia como sendo um mero fornecedor de benefícios ao Brasil sem ter nenhuma compensação por isso. A melhor forma de conservar a Amazônia a longo prazo é valorizar economicamente a floresta em pé. A água dos rios amazônicos é um subproduto da floresta em pé.
Utilizar a água do Rio Amazonas é uma alternativa que deve ser analisada com seriedade. Não devemos embarcar no debate raso que frequentemente encontramos no Brasil. Não se trata de ser contra ou a favor, como numa discussão sobre futebol numa mesa de bar. O que defendo é que esta alternativa seja estudada de forma séria, utilizando o estado da arte da ciência e das tecnologias disponíveis. Além do desafio do projeto em si, temos o desafio de pensar em longo prazo, de maneira suprapartidária, acima das vaidades pessoais e institucionais – algo raro no Brasil. Trata-se de um projeto nacional, não de um programa de governo.
* Virgílio Viana é superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).
(O Autor)