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Agropecuária Brasileira: Como reverter as emissões de gases de efeito estufa? artigo de Marina Piatto e Ciniro Costa Junior
A agropecuária, o desmatamento e a degradação florestal contribuem com 22% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. No Brasil essa proporção sobe para 60%, como mostra o relatório de análise das emissões de GEE, lançado pelo Observatório do Clima, a partir dos dados do Sistema de Estimativa de Emissões de GEE (SEEG). Segundo o SEEG, o país está entre os vinte maiores emissores de GEE do mundo, sendo responsável pela emissão de 1.5 bilhão de ton CO2eq em 2012.
De acordo com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA), que liderou o relatório de analise das emissões para a agropecuária, a produção de carne e leite foi responsável por 63% do total emitido pelo Brasil, se somada às emissões provenientes do desmatamento causado pela expansão da pecuária em áreas de ecossistemas naturais. País detentor da maior biodiversidade do planeta e um dos maiores produtores de carne, grãos e biocombustíveis, o perfil das emissões de GEE brasileiras traduz a falta de planejamento para a expansão agropecuária, causando degradação ambiental, seguida da baixa eficiência dos sistemas produtivos em algumas regiões. A pecuária de corte, por exemplo, ocupa uma área de, aproximadamente, 180 milhões de hectares, das quais cerca de um terço estão degradadas. Em alguns casos os pecuaristas não possuem recursos para investir na melhoria destes pastos ou não têm acesso a técnicas que possam aumentar a produtividade de seus sistemas. Assim, à medida que o pasto perde a produtividade, mais áreas naturais são abertas.
Estima-se que até 2022 o Brasil necessitará expandir sua área agrícola em cerca de 7 milhões de hectares e produzir 30% mais carne bovina para suprir demandas por alimentos no mundo, segundo o Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Esse cenário pressiona o país a buscar alternativas para aumentar sua produção e ao mesmo tempo reduzir suas emissões de GEE.
O relatório do Observatório do Clima mostra que a recuperação dos pastos degradados no Brasil poderia reduzir 400 milhões de tCO2eq até 2020. Somando-se a diminuição do desmatamento e maior eficiência de manejo do rebanho, até 4 bilhões de tCO2eq poderiam ser reduzidos, segundo estudo liderado pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). Esse volume de carbono é superior à meta de redução brasileira para 2020, onde o compromisso é de reduzir as emissões em mais de 36% (cerca de 1,2 bilhões de tCO2eq).
De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), pastos bem manejados, além de serem mais lucrativos, reduzem em 48% as emissões de GEE por quilo de carne produzida. Outro estudo, liderado pelo IIS, mostra que se as pastagens cultivadas no Brasil passassem do atual potencial produtivo de 33% para 51%, seria disponibilizada área suficiente para as futuras necessidades agrícolas (produção de grãos, fibra, biocombustíveis e madeira) sem ocasionar novos desmatamentos.
Os fertilizantes nitrogenados também foram responsáveis por 7% das emissões de GEE na agropecuária em 2012. Esta contribuição pode ser reduzida, evitando-se o desperdício no momento da aplicação do adubo e cultivando plantas fixadoras de nitrogênio. Pesquisadores das universidades de Harvard e de Minnesota (EUA) estimaram que 50% do nitrogênio aplicado para a produção de cereais no mundo são desnecessários. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), por sua vez, apresentou recentemente uma variedade de milho (uma das culturas que mais demandam nitrogênio no Brasil) capaz de fixar esse elemento por meio de microrganismos que vivem em simbiose com as raízes dessa variedade.
Ações como essas, voltadas ao aumento de produtividade, eficiência e planejamento do uso e manejo do solo, levarão o país a um patamar de produção com baixas emissões de carbono e aliado a conservação da biodiversidade. Para conciliar estas demandas, são necessárias políticas públicas bem orientadas. A redução contínua da prática de queima da cana-de-açúcar é um bom exemplo. O relatório de análise das emissões de gases de efeito estufa mostra que após o decreto federal que determinou a eliminação da queima da cana até 2021, as emissões de GEE foram reduzidas em 32% entre 2008 e 2012 e ao mesmo tempo a produção de cana aumentou em 20%. Isto significa que atualmente produzimos mais cana com menor emissão de carbono.
Nesse contexto, o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC) deve cumprir importante papel em reduzir as emissões de GEE no Brasil. No setor agrícola e pecuário foi elaborado o Plano ABC (agricultura de baixo carbono), onde as estratégias e ações deverão contribuir com 22,5% da meta brasileira de redução das emissões de GEE, são elas: recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta, sistema plantio direto, fixação biológica do nitrogênio, florestas plantadas e tratamento de dejetos animais.
A análise apresentada no relatório do setor agropecuário do Observatório do Clima mostra que o Plano Agrícola e Pecuário de 2013/2014 totalizou R$ 136 bilhões, sendo que o recurso destinado ao Plano ABC no mesmo ano foi de R$ 4,5 bilhões, correspondendo apenas a 3,3% de todo financiamento voltado ao setor agropecuário. O Pronamp (Política de Apoio ao Médio Produtor Rural), naquele ano, por exemplo, contou com o recurso de R$ 13,2 bilhões quase 3 vezes maior que o recurso destinado ao ABC.
Adicionalmente, o relatório de análise destaca a falta de sinergia entre as políticas agrícolas brasileiras onde a maior fatia dos recursos pode estar financiando práticas que atuam na contramão da meta de redução das emissões de GEE nacionais. Esse pode ser o caso do Plano Safra da Agricultura Familiar, o qual não demostra esforços relacionados a redução de emissões de GEE, entretanto, pode estimular a agricultura de baixo carbono em mais de 4,5 milhões de propriedades familiares em cerca de 105 milhões de hectares.
O setor agrícola tem enfrentado uma encruzilhada de questões relacionadas a segurança alimentar, energética, qualidade de vida no meio rural e sustentabilidade ambiental em um contexto de importantes e difíceis acordos climáticos e novas metas de redução de GEE pela comunidade internacional pós-2020. No Brasil, as políticas públicas devem focar em tecnologias de baixo carbono para aumentar a eficiência da produção agropecuária e ao mesmo tempo reduzir as emissões. Nesta direção será possível posicionar o setor como captador de carbono e compensar a emissão de outros setores que eventualmente terão limitações tecnológicas para crescerem de forma limpa. Entretanto, o país ainda tem muito trabalho pela frente para adotar essas tecnologias e transformar o problema em oportunidade.
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1. Marina Piatto é Coordenadora Sênior da Iniciativa de Clima e Agricultura do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – www.imaflora.org) responsável por projetos de emissões de GEE na agricultura, salvaguardas socioambientais de REDD+ e compromissos empresariais para sustentabilidade.
2. Ciniro Costa Junior é Doutor em Química na Agricultura e Ambiente pela Universidade de São Paulo e Consultor do Imaflora para assuntos do clima.
* Elaborado a partir da Análise do Panorama Atual de Emissões Brasileiras – Tendências e Desafios, do Observatório do Clima. Leia mais sobre a Análise aqui.
Sobre o Observatório do Clima:
O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil com o objetivo de discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro. O OC promove encontros com especialistas na área, além de articular os atores sociais para que o governo brasileiro assuma compromissos e crie políticas públicas efetivas em favor da mitigação e da adaptação do Brasil em relação à mudança do clima.
Saiba mais em: http://www.oc.org.br/
EcoDebate, 27/08/2014
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