Os combustíveis fósseis são fortes candidatos a ocupar o epicentro de uma nova crise financeira global. A avaliação do jornalista Ambrose Evans-Pritchard está baseada em uma série de entrevistas com influentes protagonistas do setor de energia e em dois relatórios recentes sobre os impactos das negociações climáticas sobre estes mercados. Tendo em vista que, do trilhão de reais que, segundo o BNDES, devem ser investidos em infraestrutura no Brasil até 2017, quase metade vai para o setor de óleo e gás, o tema é de interesse estratégico para o País.
O primeiro relatório é o da Carbon Track Initiative, um grupo de trabalho dirigido pelo empresário, pesquisador e ativista Jeremy Leggett e que ganhou imenso prestígio internacional mostrando a existência de uma bolha de carbono (carbon bubble) no mercado global de energia. A expressão tem um duplo sentido, físico e financeiro. A bolha física está relacionada, evidentemente, à mudança climática. Para cumprir o objetivo de limitar a elevação da temperatura global média a, no máximo, 2°C, até o final do Século 21, a quantidade de fósseis a ser queimada pelo sistema econômico não pode ultrapassar o que corresponde à emissão de algo entre 900 e 1.000 gigatoneladas de Gases de Efeito Estufa entre 2010 e 2050. Ocorre que o patrimônio fóssil em mãos das empresas (em petróleo, carvão e gás) é quase três vezes superior a esse limite.
É nesse sentido que há uma bolha de carbono: este patrimônio só se converterá em riqueza se destruir o sistema climático. Em tese, seria possível capturar e armazenar o carbono lançado na atmosfera: mas, até hoje, os custos dessas operações são exorbitantes e não há indicações de que estejam prestes a se tornar economicamente viáveis. Portanto, não há terceiro caminho: ou se deixa sob o solo dois terços das reservas fósseis em poder dos gigantes da energia ou a elevação da temperatura global média chegará a um patamar em que consequências como a seca atual na Califórnia e os furacões Katrina e Sandy são apenas pálidas expressões.
É aí que ganha importância a dimensão financeira da bolha de carbono: apesar das evidências crescentes reunidas pelos cientistas e do acordo internacional (aprovado em 2010, em Cancún, México) de manter a elevação da temperatura aquém de 2°C, grandes empresas e seus financiadores continuam enxergando nos fósseis uma extraordinária fonte potencial de ganhos.
A Agência Internacional de Energia mostra que, globalmente, os investimentos em combustíveis fósseis dobraram entre 2000 e 2008, quando se estabilizaram em um patamar de US$ 950 bilhões por ano. Isso representa, segundo recente relatório da organização Ceres, 3,3 vezes mais do que os investimentos em renováveis realizados em 2012. Nos últimos seis anos, os gastos globais na busca de fósseis foram de US$ 5,4 trilhões. Praticamente todo esse investimento é feito em fontes não convencionais: areias betuminosas (sobretudo no Canadá), exploração no Ártico, gás de xisto e busca em águas profundas no Brasil e no Golfo do México. Essas fontes não convencionais exigem um esforço (e, portanto, têm um custo) muito maior que as convencionais. Elas só se viabilizam se o preço global do petróleo superar um patamar em torno de US$ 75 o barril.
Mas, se houver um acordo internacional para impedir a ruptura do sistema climático, a consequência será a queda na demanda e, portanto, nos preços dos fósseis. O crescimento exponencial das energias renováveis (a China dobrou sua geração solar nos primeiros seis meses de 2014, relativamente ao mesmo período do ano anterior) também deve resultar em menor demanda por fósseis. Portanto, o risco financeiro em torno dessa corrida à produção de fósseis é imenso.
O segundo relatório citado por Ambrose Evans-Pritchard e no qual se apoia a hipótese de crise financeira global, vem da consultoria Kepler Cheuvreux. Ele calcula as perdas financeiras dos gigantes da energia, caso um acordo para preservar o sistema climático seja alcançado. Nos próximos 20 anos, o prejuízo seria de US$ 28 trilhões, dos quais US$ 19,3 trilhões no setor de petróleo.
Os segmentos mais suscetíveis são justamente os não convencionais: Ártico, areias betuminosas e águas profundas. De que maneira esses números se relacionam com nosso pré-sal é um tema cuja discussão não pode ficar apenas entre especialistas.
* Ricardo Abramovay é professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP.
** Publicado originalmente no site Eco21.
(Eco21)