Desmantelemos o poder das empresas transnacionais de plantações! Não existe uma “monocultura inteligente”: apoiamos a Mobilização Climática dos Povos! Há 10 anos, o dia 21 de setembro foi estabelecido como o Dia Nacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores, durante um encontro de 250 membros de comunidades atingidas pelas plantações de monocultura de eucalipto em larga escala no Brasil. O principal objetivo era dar mais visibilidade aos inúmeros povos e comunidades que lutam contra as monoculturas de árvores, como uma forma de romper o ciclo de silêncio em torno das inúmeras violações que muitas comunidades cercadas por essas monoculturas enfrentam. O Dia foi criado também para divulgar tanto quanto possível as evidências que emergem dessas lutas de resistência sobre os impactos ambientais e sociais negativos dessas plantações. Esses impactos costumam ser ainda mais graves na vida das mulheres das comunidades atingidas. Devido à importância dessa decisão das comunidades brasileiras, o WRM (Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais) decidiu em 2006 transformar este Dia em um Dia Internacional de Luta. Este ano, o 21 de setembro também é um dia de grandes mobilizações por Justiça Climática. Milhares de pessoas se unirão à Mobilização Climática dos Povos, enquanto os representantes políticos – e cada vez mais também os representantes corporativos – se reúnem na sede das Nações Unidas (ONU) na cidade de Nova York, Estados Unidos, para participar na Cúpula Climática convocada pelo Secretário Geral, Ban Ki Moon. Esta Cúpula representa mais um passo no sentido da captura corporativa das negociações sobre o clima das Nações Unidas, bem como da privatização da terra, da água e do ar, com a promessa de lograr um acordo sobre a problemática do clima. A iniciativa chamada de ‘Agricultura Climaticamente Inteligente’ será lançada nesta Cúpula pela ONU e outras organizações internacionais. Este conceito é uma frase vazia que está sendo utilizada para tingir de verde às piores práticas da agricultura industrial: os fertilizantes sintéticos, a produção industrial de carne e os cultivos geneticamente modificados, tais como as plantações de árvores ou monoculturas, camufladas como ‘climaticamente inteligentes’. Os partidários desta perigosa falsa solução, como o Banco Mundial, estão buscando converter o carbono dos campos das e dos camponeses em créditos de carbono, o que representaria o avanço do ‘cercamento’ dos territórios e o enfraquecimento das verdadeiras soluções à crise climática. O avanço das plantações em larga escala de árvores de eucalipto, pinus, acácia, seringueira e palma africana (dendê), que poderiam ser definidas como climaticamente inteligentes no caso de que prospere a proposta que está sendo discutida na Cúpula do Clima em Nova York, é, na realidade, um processo de aprofundamento da acumulação de capital movido por empresas – muitas vezes transnacionais e cada vez maiores – sobre os territórios. Algumas dessas empresas são Stora Enso, UPM, Arauco, APP/Sinar Mas, APRIL, Bridgestone/Firestone, Wilmar, OLAM e Sime Darby. A produção obtida serve para fins industriais e de exportação, e a expansão tem ocorrido em um ritmo devastador. Desde 1980, a área dessas plantações no mundo quadriplicou, com crescimento em especial das monoculturas de eucalipto e de dendê nos países do Sul. Se não fosse a resistência das comunidades camponesas, dos povos indígenas e outras em muitos lugares e países, essa expansão provavelmente teria sido ainda maior. As grandes empresas transnacionais são as principais responsáveis pelos problemas que as plantações causam: a tomada de controle sobre territórios e bens comuns; a destruição de espaços biodiversos e os modos de vida associados; o secamento e contaminação por agrotóxicos de rios, córregos e poços; o empobrecimento e a erosão dos solos; condições de trabalho degradantes; um crescente processo de financeirização da natureza sobre as terras e a produção. Apesar disso, essas empresas não apenas se empenham em negar e disfarçar sistematicamente todos esses processos de injustiça sócio-ambiental, como se consideram parte da “solução” destes problemas. Algumas das falsas soluções de mercado, ou, melhor dizendo, as soluções para o próprio capitalismo financeiro, aumentam as injustiças associadas às monoculturas, com uma série de iniciativas que legitimam as operações empresariais sem sua responsabilização pelos crimes e violações cometidos. Alguns exemplos desse engodo são os selos “verdes” de certificação como FSC (Conselho de Manejo Florestal) e RSPO (Mesa Redonda de Óleo de Dendê Sustentável), as mesas de “diálogo florestal”, onde a sociedade civil e as corporações forjam compromissos corporativos voluntários, e outras inciativas chamadas de “sustentáveis”, como os falsos compromissos com o “desmatamento zero”. Se por um lado, essas iniciativas podem resultar em ações que levem a algumas melhorias de curto prazo em favor de comunidades, elas têm sobretudo levado à divisão e frustração das comunidades, quando prometem “compensações” que não atendem suas demandas principais para garantir seu modo de vida (como a devolução dos seus territórios e a recuperação da biodiversidade destruída pelas plantações) e permitem a perpetuação das injustiças ambientais causadas pelas monoculturas. Essas iniciativas são “voluntárias”, ou seja, legalmente não são obrigatórias e, portanto, não estão geridas por um marco institucional democrático que vise a proteger os direitos dos povos atingidos. Assim, sem tentar mudar as lógicas destrutivas do capital, estas iniciativas acabam legitimando a expansão de um modelo de produção que podemos chamar de neocolonial, já que destroem modos de vida, estão estruturadas pelo racismo ambiental e não questionam algumas de suas características básicas, como a concentração de terras e a produção na forma de monocultura em larga escala com uso de venenos e condições de trabalho degradantes. Além disso, as iniciativas e compromissos “verdes” e “sustentáveis” não impedem as grandes empresas do setor de continuar a expandir ainda mais as plantações sobre os territórios. Uma dimensão de crescente gravidade são as monoculturas de árvores “flexíveis” (flex trees), ou seja, plantações de árvores que geram usos e/ou commodities diferentes (produção de energia, madeira, alimentos, captura de carbono, etc.), percebidos como intercambiáveis. Esse caráter “flexível” interessa sobretudo ao capital financeiro que promove cada vez mais, em conjunto com as transnacionais da monocultura, a especulação em cima do controle e dos usos da produção das terras. Elas continuam insistindo no uso comercial de árvores transgênicas, em outros usos de madeira para fins de energia e para vender “serviços ambientais” como o carbono. Todos estes usos são falsas soluções para a crise ambiental e climática que as sociedades humanas enfrentam hoje e acabam aprofundando as injustiças e espalhando ainda mais a fome e a miséria. As monoculturas e as culturas transgênicas não são inteligentes, e sim uma estratégia a mais do capitalismo ‘verde’ para tomar o controle sobre os territórios dos povos, minando a aqueles que constroem as verdadeiras soluções para as crises climática, social e ambiental. Para enfrentar os impactos que as grandes empresas causam e a expansão das plantações, devemos continuar impulsando a transformação desse modelo de produção e combatendo as políticas neoliberais que são impostas em favor do capital. Um passo importante é que juntemos forças no marco da “Campanha para Desmantelar o Poder Corporativo” para construir e fortalecer instrumentos que acabem com a arquitetura da impunidade e legitimação da qual as empresas desfrutam hoje. A Campanha parte das lutas das comunidades que resistem à invasão dos seus territórios ou lutam para expulsar as corporações de seus territórios, reivindicando o direito dos povos à autodeterminação de seus modos de vida. A reforma agrária e o reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas e de outras populações tradicionais e camponesas ao redor do mundo são ações necessárias e urgentes para avançar na luta pela soberania alimentar, a justiça social e ambiental, e construir o poder popular. Não podemos finalizar esta declaração sem fazer uma homenagem às mulheres e aos homens que em todo o mundo lutam diariamente e de diferentes formas contra as monoculturas de árvores, e que já alcançaram importantes vitórias na defesa e na retomada de seus territórios com toda a biodiversidade que precisam para sua sobrevivência física e cultural. Essas mulheres e homens travam essas lutas árduas e sofridas para gerar vida e construir um futuro, contrastando com a voracidade de grandes empresas e investidores que buscam essas mesmas terras para gerar lucros para seus acionistas. “Plantações não são Florestas!” “As monoculturas não são inteligentes!” 21 de Setembro 2014 Campanha para Desmantelar o Poder Corporativo La Via Campesina Marcha Mundial das Mulheres Amigos da Terra Internacional Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM) Centro de Estudos Ambientais Fonte: http://wrm.org.uy/pt/acoes-e-campanhas/21-de-setembro-de-2014-10-anos-do-dia-internacional-de-luta-contra-as-monoculturas-de-arvores/#comment-652 |