Quiosque solar instalado em Uquía. Foto: Cortesia Fundação EcoAndina
O consumo de lenha por uma família da Puna argentina pode cair entre 50% e 70% se utilizar um fogão solar.Buenos Aires, Argentina, 18 de fevereiro de 2013 (Terramérica).- É carnaval no ensolarado noroeste argentino e os pontos ambulantes de venda de comida se multiplicam aqui e ali. Mas alguns são diferentes: oferecem alimentos preparados ali mesmo… pelo Sol. Durante as celebrações do carnaval em Puna, que se estende por quase todo o mês de fevereiro, os intrépidos promotores da energia solar colocaram nas ruas “quiosques solares” ambulantes em Tilcara, Humahuaca, La Quiaca, Purmamarca e Uquía, locais turísticos da província de Jujuy.Cada quiosque é formado por um carrinho com rodas, teto impermeável e um fogão solar que, na verdade, é uma grande tela dobrável de alumínio, com suportes em sua parte central para colocar os recipientes onde os alimentos são cozidos. “As pessoas se mostram incrédulas, e ao provarem ficam espantadas”, contou Marta Rojas, encarregada de um quiosque inaugurado este mês em Tilcara, um antigo povoado que é epicentro das festividades. “Precisam tocar com as mãos para acreditar, e acabam se queimando”, disse, rindo, ao Terramérica.
O carrinho também tem um botijão de gás de dois quilos para cozinhar à noite ou em dias de pouco Sol, um recipiente com água, uma despensa, cartazes promocionais e utensílios de cozinha. Por trás da iniciativa está a Fundação EcoAndina, que há 25 anos trabalha no desenvolvimento de diversos aparatos para aproveitar a luz do Sol nesta região árida, de chuvas e vegetação escassas e com grande amplitude térmica entre o dia e a noite.
Rojas é professora e fez um dos cursos sobre cozinhar com energia solar oferecidos pela EcoAndina, então decidiu trabalhar no carnaval com o quiosque, que é adquirido a um preço subsidiado pelo projeto. “Não é o mesmo que tê-lo em exposição”, afirmou. “Já fizemos pizza com vegetais e empanadas de quinoa. Muitos turistas vegetarianos se aproximam e levam folhetos. E também cozinhamos cabrito com batatas douradas”, acrescentou.
La Puna, no noroeste de Jujuy, é uma das áreas de maior radiação solar do mundo, junto com o vizinho Altiplano da Bolívia – parte da mesma ecorregião – e as mesetas do Tibete e Afeganistão. Neste verdadeiro laboratório para a energia solar, a EcoAndina já instalou cerca de 900 equipamentos projetados e montados na própria região: fogões domésticos e comunitários, calefatores, termotanques e coletores de água quente em mais de 30 povoados isolados.
A iniciativa conta com apoio técnico e financeiro da embaixada da Alemanha na Argentina e da organização não governamental alemã Wisions, com a missão de gerar desenvolvimento e empregos sustentáveis mediante esta fonte de energia limpa e renovável. A projetista industrial Virginia Bauso é a inventora dos quiosques solares. Há dois anos, ela e seus colegas começaram a promover esta energia em Tilcara, com um grupo que mostrava como preparar sanduíches tostados. “Foi um sucesso”, contou ao Terramérica.
Duas clientes satisfeitas posam junto ao fogão solar em Purmamarca. Foto: Cortesia Fundação EcoAndina
Daí surgiu a ideia de projetar um carrinho com cozinha solar. “Como aqui as mulheres são as principais empreendedoras, elas foram nosso alvo, e em 2011 começamos com protótipos, cursos e simulações na rua”, detalhou Bauso. Desde o começo de 2013, uma dezena de quiosques foi instalada em vários povoados, aproveitando o fluxo de visitantes nacionais e estrangeiros que chegam para o carnaval, que mistura mitos e tradições indígenas, crioulas e espanholas.
“Queremos que seja uma alternativa sadia, que não caia em mãos de qualquer comerciante que a use para vender salsichas e batata frita. Fazemos caçarolas de verduras e quinoa, tacos de milho com cebola, coisas assim”, explicou a projetista. Para beber, cada quiosque oferece chá de coca frio ou quente, com limão, canela e açúcar, que ajuda a combater o “apunamiento”, ou mal da altitude, já que a região fica entre 2.700 e 4.600 metros de altitude.
As mulheres que trabalham com os quiosques aproveitam o Sol da manhã para cozinhar em potência máxima. Ferver um litro de água demora 12 minutos. A tela de alumínio é um grande prato refratário de 1,2 metro de diâmetro, que “tem seus truques”, revelou Bauso. É preciso colocá-lo corretamente voltado para o Sol e movê-lo com delicadeza, mudando o foco ou colocando um difusor, para baixar ou aumentar a temperatura. “Os melhores recipientes são os de ferro escuro, mas também pode ser usado alumínio. Em geral, as mulheres preferem utilizar suas próprias panelas”, descreveu.
À noite, ou em dias nublados, o cozimento é feito com antecipação ou utiliza-se o gás engarrafado. Além disso, cada quiosque é um ponto de promoção de energia solar, e para isto distribui folhetos elaborados pela EcoAndina. Desta forma, uma fonte que vinha crescendo em silêncio em um punhado de povoados solitários de Puna começa a ser mais conhecida no resto do país. A divulgação atraiu interessados de outras províncias argentinas.
Contudo, Bauso acredita que essa expansão ainda é prematura. “Os fogões ainda necessitam de nossa mão. Estamos preparando um manual de uso. Tampouco queremos que seja para qualquer um, mas para alguém que se interesse pela energia solar e para cozinhar de maneira saudável, higiênica e segura”, destacou. A Argentina, país com importantes recursos de petróleo e gás natural, tem também um enorme potencial para desenvolver as fontes eólica e solar que, no entanto, representam apenas 1,1% de sua matriz energética.
No entanto, não significa que não façam falta as fontes alternativas, sobretudo nas regiões isoladas e pobres. “Muita gente dos povoados do interior se interessa por essa tecnologia porque no campo não chega o gás encanado, o botijão é caro e cada vez há menos lenha, o que também representa um crescente problema de desertificação”, afirmou Bauso. Nessa região tão árida, as famílias utilizam tola (
Parastrephia ledipophylla), queñoa (
Polylepis tarapacana) e yareta (
Azorella compacta) como lenha. Mas estas espécies vegetais, que também servem de alimento para as lhamas, estão escasseando, e cada vez é preciso ir mais longe para encontrá-las.
Segundo a EcoAndina, o consumo de lenha cai entre 50% e 70% com um fogão solar. As pessoas do lugar estão se acostumando a usá-lo em um contexto em que “se existe alguma coisa que sobra é o Sol”, ressaltou a projetista. E as famílias começam a incorporar a experiência como um legado à sua descendência. “Estamos vendendo fogões como presente de casamento de pais para filhos”, enfatizou Bauso. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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