No bairro Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista, já foi desativada uma escola e uma creche em razão da contaminação. Foto: Zureta/CC
São Paulo – Apesar do risco potencial de explosão, 604 famílias sem teto continuam morando em área contaminada por gás metano no bairro Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista. No local funcionavam uma escola e uma creche que foram desativadas em 2011 também em razão da contaminação, segundo informações da prefeitura. O gás é decorrente de um aterro sanitário irregular que funcionava no terreno. A estimativa do movimento Frente de Luta por Moradia (FLM), que coordena a ocupação, é que 1,2 mil pessoas estejam residindo lá desde outubro do ano passado.
A última vistoria da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), feita em janeiro, apontou uma concentração de 5% a 15% de gás metano no subsolo. “Confirmamos que existe o risco potencial de inflamabilidade, mas não iminente”, diz nota do órgão. A companhia informou ainda que o sistema de extração do gás existente na área foi danificado após a ocupação do terreno, deixando o equipamento inoperante. Além disso, alguns poços de monitoramento estão obstruídos, o que prejudica a avaliação do risco pelos técnicos.
A dona de casa Livanice Lopes, de 30 anos, participante da ocupação, está preocupada com a saúde da filha de 8 anos, que tem paralisia cerebral. “Desde que chegamos aqui ela foi hospitalizada duas vezes. Antes passavam anos sem que ela precisasse de oxigênio direto no pulmão. O médico disse que pode ter relação com o gás”, disse. Explicou que decidiu participar da ocupação porque não tinha mais condições de pagar o aluguel de uma moradia. “Tenho quatro filhos e ganho um salário mínimo, que é o auxílio-doença da minha filha. Se pagar um aluguel, vai faltar para comida”.
De acordo com Geni Monteiro, de 42 anos, coordenadora da FLM, as famílias ocuparam o terreno sem saber que havia contaminação. “Soubemos depois de oito dias, mas as famílias não têm para onde ir. A gente fica até que apresentem uma solução”, declarou. Ela relatou que esse grupo foi despejado de uma ocupação em um prédio particular em outubro do ano passado. “Saímos de lá e acampamos em frente à subprefeitura da Freguesia do Ó, mas nada foi feito. Teve um dia que choveu muito, não tinha mais condição de ficar na rua, então achamos esta escola abandonada”.
Embora soubesse do risco de contaminação quando aderiu à ocupação em dezembro, a auxiliar de limpeza Maria das Dores da Silva, de 33 anos, disse que não teve escolha, pois havia perdido tudo o que tinha em uma enchente. “Passei por um incêndio em agosto, depois uma enchente, quando a gente já não tem nada, não tem muito o que perder”, declarou. A auxiliar de limpeza mora em um dos cômodos da ocupação com o filho, o marido e outra família. “Aqui, a gente está até melhor. Não tem perigo de encher de água. Mas depois de tudo que aconteceu, nunca mais dormi direito. Fica sempre o medo. Só consigo tirar um cochilo no metrô indo para o trabalho”.
Além da estrutura de concreto dos antigos prédios escolares, os moradores construíram barracos de madeira no espaço aberto. Na área edificada, foram criados cômodos com divisórias de madeira. “Para se ter uma ideia, na maior sala de aula moram seis famílias”, explicou a coordenadora da FLM. Além do perigo de combustão por causa do metano, há risco adicional na área por causa das instalações elétricas clandestinas. “A gente vive sob alerta. Já sabendo de tudo isso, a gente tenta tomar todo o cuidado possível. Não acumular lixo, as pessoas ficam atentas com os fogões”, disse.
A Secretaria Municipal de Habitação esclareceu, por meio de nota, que os moradores da região contaminada foram notificados sobre o problema em 2006. Com a necessidade de desocupar a área, foram oferecidas alternativas como apartamentos em um conjunto habitacional, carta de crédito no valor até R$ 40 mil e auxílio-aluguel. Ainda de acordo com o órgão, uma ação judicial determinou a desocupação de 71 imóveis localizados no perímetro de alto risco. Do total, 29 deixaram os imóveis e recebem a verba para o aluguel.
O aposentado Manoel Ricardo do Nascimento, de 77 anos, foi uma das pessoas notificadas há seis anos. Ele ainda espera na Justiça a definição do caso. “Não tenho medo de ficar aqui. Não acho que tenha risco de explosão. É uma área muito boa, por isso querem tirar a gente. Porque não dão um jeito de resolver?”, perguntou. Na área onde fica a casa do aposentado, próximo à Rua Mendonça Júnior, onde está a escola, restam apenas poucas residências ocupadas. “Todo mundo aqui está com advogado, mas teve gente que já saiu”, declarou.
A Secretaria de Habitação destacou que a Companhia de Habitação de São Paulo (Cohab) faz a medição do índice de explosividade do local diariamente e informou que está em andamento a contratação de uma empresa para descontaminar o terreno.
Sobre as famílias que ocupam o prédio, o órgão ressaltou que está aguardando a decisão judicial sobre a ação de reintegração de posse e pedido de liminar feita pela Cohab. A prefeitura destacou que a Secretaria de Assistência Social ofereceu serviços de atendimento às famílias que ocuparam as escolas, por meio do Centro de Referência de Assistência Social da Casa Verde, “mas não houve interesse no atendimento da parte dos moradores”, diz a nota.
* Edição: Aécio Amado.** Publicado originalmente no site Agência Brasil. (Agência Brasil)
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