Os moradores de Clara Town, bairro pobre da Monróvia, na Libéria, enfrentam problemas de saneamento ao começar a temporada de chuvas. Foto: Travis Lupick/IPS
Nações Unidas, 20/3/2013 – Quando a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou por unanimidade os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2000, a água e o saneamento ficaram relegados a um segundo plano, sem estarem à altura do alívio da fome e da pobreza. Agora que a ONU inicia o processo para formular os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para sua agenda posterior a 2015, há uma campanha para destacar a importância da água e do saneamento, para que o fórum mundial desta vez lhes dê o lugar que merecem.
O embaixador da Hungria, Csaba Kőrösi, cujo governo será anfitrião em outubro de uma cúpula internacional da água em Budapeste, disse que “os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para a água deveriam ser desenhados para evitar a crise hídrica mundial que se avizinha”. Em conversa com jornalistas na semana passada, o representante permanente da Hungria junto à ONU relembrou que os recursos hídricos praticamente não sofreram mudanças durante quase mil anos. “Entretanto, desde então a quantidade de usuários aumentou cerca de oito mil vezes”, acrescentou.
Ao se projetar um aumento de 80% na produção mundial de alimentos até 2030 – e com 70% do consumo de água fluindo para o setor agrícola –, Kőrösi afirmou que, muito em breve, 2,5 bilhões de pessoas viverão em áreas com escassez hídrica. Ao falar na Sessão Temática Especial da Assembleia Geral sobre Água e Desastres, este mês, o vice-secretário-geral Jan Eliasson foi taxativo: “Devemos abordar a vergonha mundial de milhares de pessoas que a cada dia morrem em emergências silenciosas causadas pela água suja e pelo saneamento de má qualidade”.
O tema da cúpula de Budapeste, prevista para começo de outubro, será: “O papel da água e do saneamento na agenda mundial para o desenvolvimento sustentável”. Este encontro será precedido por uma Conferência Internacional de Alto Nível sobre Cooperação Hídrica, em agosto no Tajiquistão, e pela Semana Mundial da Água, patrocinada pelo Instituto Internacional da Água de Estocolmo (Siwi), que será realizada em setembro na Suécia, além de várias outras conferências e reuniões regionais na Ásia, África e América Latina. As reuniões acontecem quando a Assembleia Geral declara 2013 Ano Internacional da Cooperação na Esfera da Água, e comemora o Dia Mundial da Água amanhã.
O diretor-executivo do Siwi, Torgny Holmgren, disse à IPS que, segundo uma pesquisa de Estados membros da ONU sobre áreas prioritárias para objetivos posteriores a 2015, os alimentos, a água e a energia surgiram como cruciais. Pelo segundo ano consecutivo, afirmou, a crise no fornecimento hídrico figurou entre os três principais riscos mundiais no levantamento anual feito pelo Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.
“Também estamos vendo como os assuntos relativos à água estão sendo priorizados pelos atores de fora da comunidade hídrica tradicional”, e de modo particularmente significativo os dos setores da alimentação e da energia, explicou Holmgren, embaixador e diretor do Departamento de Políticas de Desenvolvimento no Ministério de Assuntos Exteriores da Suécia.
Em meio a tudo isto, acrescentou Holmgren, tem lugar um debate importante com o olhar voltado para o desenvolvimento de novas ambições, que objetivem o movimento para um mundo sustentável e desejável para a agenda posterior a 2015. “Sou otimista quanto a esta nova consciência sobre a importância da água se converter em objetivos e metas de longo alcance a propósito da água como recurso, como direito e como serviço”, pontuou.
John Sauer, diretor de relações externas da Water for People, disse à IPS que a ONU deu um passo importante ao declarar a água e o saneamento em um direito humano por meio de uma resolução da Assembleia Geral (64/292) em 2010, e apontou que, apesar deste esforço, sua tarefa de garantir um serviço barato de água e saneamento deve evoluir e inovar, para enfrentar este desafio em toda sua imensidão. “Enquanto a ONU desvia a atenção para a Meta do Milênio da cobertura universal, os controles deveriam passar para o atual cumprimento do serviço”, destacou.
Isto é crucial para que não fracassem grandes quantidades de projetos, como ocorre atualmente, acrescentou Sauer. “Implica olhar mais além dos projetos financiados e dos beneficiários alcançados, em lugar de olhar para uma sistemática criação de capacidade dentro do governo, da sociedade civil e das instituições do setor privado. Isto também significa criar associações mais fortes. Se a ONU pode demonstrar melhor seu impacto, por exemplo, usando indicadores para mostrar a capacidade criada, isto seria um avanço na direção correta”, ressaltou. Junto com as organizações não governamentais, as Nações Unidas devem aumentar a transparência para revelar o verdadeiro impacto de suas operações, acrescentou.
No entanto, Richard Greenly, presidente da Water4, disse à IPS que entidades como a ONU sempre terão pouco ou nenhum efeito sobre a crescente crise da água e do saneamento. “Mas não por falta de muito boas intenções ou de muito esforço. O fato é que nós, como civilização, não podemos dar nem conceder a outro país a prosperidade e a saúde”, acrescentou. Isso nunca funcionou na história do mundo e jamais acontecerá na crise da água e do saneamento, indicou. Cada país industrializado pagou seu próprio desenvolvimento hídrico criando empresas dedicadas à água, ressaltou.
“O comércio é a maneira de sair da pobreza, e embora a ONU tenha boas intenções o desenvolvimento sustentável da água deve ser posto nas mãos dos cidadãos locais para que solucionem seus próprios problemas hídricos”, enfatizou Greenly. O que estas pessoas necessitam desesperadamente da ONU é a oportunidade de desenvolverem seus próprios recursos hídricos, acrescentou.
Holmgren declarou à IPS: “Também vejo claros sinais, tanto da necessidade quanto da abertura de novas colaborações e ideias”. Segundo ele, os objetivos posteriores a 2015 são discutidos de modo tão inclusivo quanto nossos meios eletrônicos de comunicação o permitem. “Vemos que surge mais cooperação entre os governos, o setor privado, a academia e a sociedade civil”, acrescentou.
Inclusive, há casos em que se encontra um denominador comum entre competidores para a colaboração por um mundo mais sábio em matéria hídrica, afirmou Holmgren. Tem sentido “todos estes esforços estarem surgindo durante o Ano Internacional da Cooperação na Esfera da Água, e no Siwi desejamos contribuir ainda mais com uma melhor cooperação e resultados mais concretos por meio da Semana Mundial da Água”, concluiu. Envolverde/IPS
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