Água do mar pode dar segurança hídrica para grandes cidades, diz diretor da ANA
O diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, disse que é preciso considerar a dessalinização da água do mar como fonte alternativa para a segurança hídrica das grandes cidades brasileiras, mesmo sendo uma tecnologia cara. Andreu participou do seminário organizado pela ANA para o Dia Mundial da Água, celebrado ontem (22).
A quantidade de água no mundo é finita, mas renovável, porém, segundo Andreu, além do aumento contínuo da demanda nas cidades e na agricultura, em vários aspectos a água está sendo degradada, portanto depois não pode ser utilizada. “Essas alternativas, como reuso, captação de água de chuva, adoção de tecnologia nas edificações e, inclusive, a dessalinização, colocariam água nova no sistema no sentido de tentar equilibrar essa equação que hoje é desfavorável para a água”, disse.
O Brasil já utiliza a tecnologia de dessalinização da água do mar. Um exemplo é o Arquipélogo de Fernando de Noronha que tem sua água obtida desta forma.
Hábitos de consumo
Andreu explicou que não é mais possível fazer previsões hidrológicas consistentes como no passado e que é preciso admitir a fragilidade do sistema hídrico diante de eventos extremos. “As séries históricas nos trazem informações, mas é preciso traduzir isso em medidas técnicas adequadas, seja pelo nosso conhecimento, seja dialogando com outras áreas do conhecimento”.
A mudança de hábitos de consumo da população também são fundamentais para o diretor-presidente da ANA. “As crises têm sinalizado para a sociedade que não podemos manter padrões de consumo que são incompatíveis com a trajetória de oferta de água e poluição. Essa mudança é absolutamente vital”, disse.
Andreu explicou que as cidades são responsáveis por cerca de 12% a 16% do consumo de água do país. “Isso pode parecer pouco, mas os hábitos que as pessoas adotam vão se manifestar em vários aspectos. Se a pessoa economiza água, ela vai cobrar da indústria e da agricultura para que elas economizem água. E vai cobrar até dos políticos para que a água entre como agenda relevante. Não pode ser só uma agenda de crise”.
Gestão da água
Para o presidente da ANA, é imprescindível também fazer o gerenciamento correto dos recursos hídricos, coordenando os diversos usos e tomando medidas regulatórias e disciplinatórias, para evitar os conflitos em momentos de crise.
Além de uma melhor regulação, Andreu defendeu a melhoria da infraestrutura, como a construção de reservatórios de água. “O Brasil construiu, durante muito tempo, importantes reservatórios, mas por várias razões deixou de construir. Eles são o melhor mecanismo para enfrentar cheias e secas”, explicou.
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O presidente da ANA disse ainda que é preciso fortalecer o sistema de gestão, como os comitês de bacia e os conselhos estuais para que, em momentos de crise, a Justiça não precise intervir. Ele deu como exemplo a crise hídrica que atingiu o Sudeste, entre 2014 e 2015, e colocou a água da bacia do Rio Paraíba do Sul no centro de uma disputa entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
“Não fosse a sabedoria e valorização do comitê de bacia, estaríamos diante de uma solução pelo Judiciário em relação ao domínio da água. Precisamos de um agente que resolva isso e que assuma da tomada de decisão em situação de conflito. O que temos na legislação não dá conta de solução no tempo exigido e na imparcialidade técnica necessária”, disse o diretor-presidente da ANA.
Para Andreu, é fundamental definir antecipadamente, com a participação dos interessados, os marcos regulatórios e as condições de operação dos reservatórios estratégicos para o país.
Crise hídrica
Sobre a situação hídrica atual, Andreu explicou que para os moradores das cidades do Sudeste, a chuva está sinalizando que a crise acabou, “muito embora não tenha acabado”. “A água que existe nos reservatórios é o segundo pior da história, se parar de chover, as circunstâncias do Sudeste pode retornar com bastante gravidade”, disse.
No Semiárido, a crise continua. “As chuvas chegaram de maneira irregular, não há perspectivas e em vários reservatórios, como em Campina Grande, Recife, Fortaleza e Natal, os sinais são que as pessoas precisam continuam mantendo hábito com restrição de consumo para que possamos atravessar esse período até quando a chuva chegar e não sabemos quando ela vai chegar”, explicou.
Água e emprego
Durante o seminário da ANA, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em nome da ONU Água, lançou a edição de 2016 do Relatório Mundial das Nações Unidas para o Desenvolvimento de Recursos Hídricos. Com o tema Água e o Emprego, ele mostra que a escassez de água pode limitar o crescimento econômico mundial e a criação de empregos nas próximas décadas.
Segundo a oficial do Programa Mundial das Nações Unidas em Avaliação dos Recurso Hídricos da Unesco na Itália, Angela Ortigara, metade da água do planeta é utilizada em oito grandes setores dependentes de recursos hídricos e naturais: agricultura, silvicultura, pesca, energia, manufatura intensiva de recursos, reciclagem, construção e transporte. Três de cada quatro empregos de toda a força de trabalho global são forte ou moderadamente dependentes da água.
“Os problemas de escassez levam à diminuição da produtividade agrícola, à perda de empregos e ao êxodo rural”, disse Angela, explicando que isso resulta no inchaço das cidades pelo mundo, no aumento da insegurança alimentar, assentamentos informais, desemprego e instabilidade política.
A criação de oportunidades de emprego em atividades de mitigação e adaptação e o mercado emergente de pagamentos por serviços ambientais pode oferecer às populações a oportunidade de aumentar a renda e implementar práticas de restauração e conservação, segundo o relatório.
O próprio uso de recursos hídricos alternativos criará novos empregos no desenvolvimento de pesquisas e tecnologias e na implementação de seus resultados. “As maiores potencialidade de emprego estão relacionadas com a economia verde. Há todo um trabalho para capacitar os empresários para essa transição econômica”.
Por Andreia Verdélio, da Agência Brasil, in EcoDebate, 23/03/2016
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