O diagnóstico é do coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento. Edson Aparecido da Silva explica que as obras emergenciais não evitarão as medidas drásticas.
O rodízio de abastecimento de água na cidade de São Paulo é inevitável e sem prazo para ser suspenso, aponta o técnico em saneamento Edson Aparecido da Silva, coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e parte do Coletivo de Luta pela Água. Nesta terça-feira 27, o diretor metropolitano da companhia, Paulo Massato Yoshimoto, afirmou que, caso continue a chover abaixo da média e as obras emergenciais não consigam suprir a demanda da população, o governo pode optar por realizar um rodízio de níveis “drásticos”: dois dias de abastecimento para cinco dias sem água.
A Frente Nacional pelo Saneamento e o Coletivo de Luta pela Água (este formado no último dia 20 de janeiro) reúnem entidades do movimento popular e sindical, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a ASSEMAE (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento), a FNU (Federação Nacional dos Urbanitários), o Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto de Campinas e o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Para essas entidades, a falta de planejamento da gestão do governador Geraldo Alckmin é a principal responsável pelo descalabro hídrico no estado.
Para Edson Aparecido, esse quadro de falta de água de contornos calamitosos não é uma possibilidade, mas sim uma constatação do cenário real do Estado. Segundo ele, os planos emergenciais capazes precisam de mais tempo do que as reservas podem aguentar — os projetos variam de nove a trinta meses de execução.
Uma dessas obras é a transposição do Rio Paraíba do Sul, cujo edital será lançado nesta sexta-feira 30. As obras, entretanto, só serão iniciadas 90 dias após o lançamento da licitação. O projeto faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e estava previsto para ser iniciado em 2020, mas foi adiantado em 5 anos por conta da crise. Ele interligará a bacia do Rio Paraíba do Sul com o Sistema Cantareira. O Governo Federal também liberou $ 2,6 bilhões para as obras no Sistema Produtor São Lourenço, que poderá abastecer sete cidades da região metropolitana. A previsão de conclusão das obras, que acontece no sistema de Parceria Público Privada (PPP), é para 2017.
O governo vem tentando aumentar a capacidade de tratamento das reservas do Guarapiranga, do Alto Tietê e do Alto da Boa Vista, mas as medidas ainda são insuficientes para atenuar os danos da falta d’água e impedir a aplicação do rodízio.
Além de castigar a população, o rodízio de água preocupa por conta dos danos que pode causar à infra-estrutura da rede hídrica do estado mais populoso do País. Isso porque a rede de abastecimento é muito antiga e a interrupção do fluxo pode gerar alguns traumas:
Contaminação externa: com o fluxo constante de água, interferências externas não conseguem entrar na rede. Com a interrupção do fluxo, contaminações do solo e do lençol freático conseguirão invadir a rede por meio das rupturas e rachaduras na tubulação.
Arrebentação das redes: com o sistema normalizado, o fluxo de água é extremamente intenso, porém estável. A preocupação dos especialistas é que, após o desligamento das redes, ao religá-la o alto fluxo poderia romper as tubulações desgastadas pelo tempo.
Rompimento de registros: a manobra de interromper o fluxo de água é física. Engenheiros da Sabesp terão de desligar enormes registros de água – semelhantes ao que temos em casa, porém com cerca de um metro de diâmetro. Tais registros são muito antigos e também podem quebrar ao serem manuseados.
Para evitar colocar o sistema todo em cheque, o especialista em saneamento diz que planos emergenciais mais profundos poderiam ter sido colocados em prática há mais tempo. “Pelo menos desde o início de 2014 já era possível saber que, pelo cenário, eram necessárias medidas mais duras para evitar que a crise chegasse ao nível que chegou”, diz Edson Aparecido. “Isso não foi feito porque poderia atrapalhar o projeto de reeleição do governador.”
Outra crítica ao governo é a respeito do esvaziamento dos fóruns de discussão estadual e federal entre prefeitos. “Os Comitês de Bacia Hidrográfica foram esvaziados, o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana (que reúne 39 prefeitos) se reuniu uma única vez em 2014 e sem a presença do governador e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos também se encontrou uma única vez no ano, mesmo com o tamanho dessa crise”, afirma o técnico.
As críticas do Coletivo apontam que a falta de transparência do governo em admitir a gravidade da situação obrigou as medidas mais drásticas de agora. “Em janeiro de 2014 o governo deveria ter decretado o racionamento, chamado o setor empresarial, os trabalhadores, a sociedade e, principalmente, os prefeitos das cidades do Estado para colocar a gravidade da crise e planejar ações em conjunto”.
O governador Geraldo Alckmin admitiu o racionamento no Estado pela primeira vez apenas no dia 14 de janeiro de 2015, quando o nível do Sistema Cantareira atingiu a marca de 6,3%, já somadas as duas parcelas do volume morto.
* Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)